O que é uma Aparição?

 

Como para todo os fenómenos prodigiosos, é frequente lidarmos com ilusões ou com realidades. Os psicólogos e os psiquiatras têm numerosos exemplos nos seus dossiês.

Um simples susto, por exemplo, pode transformar uma criatura inofensiva num monstro assustador. Muitas lendas supersticiosas nasceram desta confusão. No plano psiquiátrico, conhecem-se cada vez melhor essas formas de doença que suscitam verdadeiras alucinações visuais e auditivas.

Certos psiquiatras, levando ao extremo o que observaram na sua profissão, não hesitam a fazer de Joana d’Arc, com as suas vozes, uma iluminada. É bem evidente que vão demasiado longe. A Igreja, por seu lado, reconhece a realidade de certas aparições. As origens podem, mais uma vez, ser múltiplas. Com o domínio das aparições, temos um novo capítulo da maravilhosa complexidade do mundo, num novo domínio onde o discernimento dos espíritos é indispensável.

Quando a Igreja se vê obrigada a indagar sobre uma nova aparição, a sua primeira atitude é de desconfiança. Tem de se esforçar por rejeitar tudo quanto é fraude. Por isso, nunca reconhece uma aparição sem que Deus a tenha confirmado através de um milagre indiscutível, um milagre cuja origem seja necessariamente divina . De facto, é possível imitar um êxtase, mas não um verdadeiro milagre.

A Igreja tem também de procurar rejeitar o que não passa do efeito de uma psicologia desequilibrada. Não hesita, para isso, apelar para os especialistas neste domínio, de quem espera certificados de saúde mental. Quase todos os videntes das aparições reconhecidas até aqui, passaram por aí e é uma boa coisa.

Mas ela sabe que podem existir aparições reais cuja origem, no entanto, nada tem de divino. Podem ser naturais ou de origem demoníaca. Certos parapsicólogos pensam que homens particularmente dotados, são capazes, pelo único poder da imaginação, de materializar as imagens que têm na cabeça. Os ectoplasmas fazem parte dessas aparições fantasmáticas.

Em 1920, foram feitas experiências com o concurso do médio polaco Franck Kluski. Homem de grande inteligência, instruído e poliglota, escritor e poeta, prestou-se com grande dedicação às verificações científicas. Kluski tinha necessidade de estar num estado de semi transe. Permanecia meio consciente, mas o menor esforço de atenção activa, fazia de imediato cessar os fenómenos. Na semi-obscuridade da sala, viam-se então aparecer formas fantasmáticas, por vezes corpos inteiros, por vezes membros (mão, rosto, etc.). O objectivo da experiência era o de obter moldes dos membros materializados, segundo um processo inventado em 1875. Colocava-se na proximidade do médio, um recipiente de água quente sobre a qual flutuava uma fina camada de parafina liquefeita. Se uma mão ectoplásmica mergulhava no recipiente, saía coberta de uma fina camada de parafina, que solidificava rapidamente em contacto com o ar, depois, desmaterializando-se, deixava sobre a mesa a luva de parafina assim formada. Tinham uma espessura muito fina, inferior a um milímetro. Eram de uma fragilidade extrema e os experimentadores tinham de a manejar com grandes precauções, para a encher de gesso e obter um molde.

O conjunto de condições de controle, excluía toda a possibilidade de fraude. Obtiveram-se por este processo várias “mãos” de gesso, comportando todos os detalhes anatómicos (dobras da pele, sulcos, linhas e unhas). Fizeram-se todas as tentativas para obter, pelos meios mais diversos, estas luvas de parafina.

O ectoplasma é uma forma material, obtida pela condensação do ar ou a partir de uma espuma que sai da boca do médio. Não sobrevive ao final do transe e desintegra-se imediatamente. A origem natural dos ectoplasmas foi posta em dúvida por alguns. Os seus argumentos têm peso, porque apontam para que estes fenómenos não se produzem sem uma evocação prévia dos espíritos. Não deixa de ser menos verdade que não subsistem senão alimentando-se da energia do médio, o que parece atestar a sua ligação ao homem.

O anjo pode, quanto a ele, aparecer sem que seja necessário apelar para um médio. S. Tomás esforçou-se por estudar as múltiplas maneiras como o demónio se podia manifestar no espiritismo: dando pancadas (linguagem codificada), deslocando um copo em direcção a letras para formar palavras, inscrevendo uma voz num gravador, uma imagem num vídeo, aparecendo em sonhos. A Idade Média conhecia a possibilidade de manifestações ainda mais directas. O caso de aparições físicas do demónio sob forma humana ou animal, são frequentemente atestadas na Bíblia. A Bíblia descreve a aparição do anjo Rafael (que não é um demónio) sob forma humana, a Tobias.

S. Tomás de Aquino mostra que os anjos, pelo seu poder natural, são não apenas capazes de agir sobre a imaginação do homem e aparecer na sua cabeça, mas também de assumir um corpo, visível do exterior. Podem, pois, existir verdadeiras visões corporais dos anjos. Não se trata, bem entendido, de um corpo vivo (excepto casos de possessão), mas de um corpo aparente, por vezes feito de luz (portanto impalpável), por vezes feito pela síntese de matérias que o tornam palpável e lhe dão a aparência de um corpo vivo. Não se trata senão de aparência, como confirma o anjo do livro de Tobias: “Pensaste ver-me comer, mas não era senão aparência”. O anjo, como o demónio, tem poder de aparecer sob a forma que deseja. Santa Bernadette, em Lourdes, sabia que o demónio se disfarça por vezes em anjo de luz. Foi a razão pela qual, na sua fé muito simples, tentou verificar a santidade da aparição, lançando-lhe água benta, benzendo-se. Sabia que o demónio foge de tais gestos onde Deus está presente.

A teologia tradicional atribui a maioria das aparições reais ao ministério dos anjos bons e maus. Quando, na Bíblia, Deus se torna visível, deixa habitualmente aos anjos o cuidado de moldar uma imagem que simboliza a sua invisibilidade. Quanto às aparições de santos ou de mortos, são, com a permissão de Deus, sustentadas pelos bons anjos que estão presentes para ajudar a incapacidade natural de todo o homem morto, de se tornar visível.

Apenas a Virgem Maria e Jesus podem aparecer pelo seu próprio poder, uma vez que, segundo a fé católica, estão realmente no céu, com o seu corpo físico. No entanto, o seu corpo não se encontra no mesmo estado que o nosso. Está glorificado, quer dizer, poderosamente elevado por Deus, acima de tudo o que possamos imaginar. Está inteiramente submetido à vontade. Isto explica que a Virgem não apareça sempre com o mesmo rosto, a mesma cor de cabelo. Ela adapta a sua beleza ao que quer dizer e ao gosto daqueles a quem aparece. Aparecerá preta em África e branca na Europa.

Entre as múltiplas aparições da Virgem ou de Jesus, a Igreja não reconhece senão aquelas que oferecem os três critérios de certeza já descritos (conformidade com o evangelho, frutos espirituais positivos, milagre divino para confirmar).

Em síntese, uma aparição é uma revelação privada que vem ajudar a melhor viver numa determinada época a única revelação (dita revelação pública) contida na Bíblia e que se concluiu na vida, morte e ressurreição de Cristo. A aparição ou revelação privada consiste, na maioria das vezes numa forma de percepção interior de imagens, ou seja, são os videntes que vêem e os outros que poderão estar em redor. não vêem.

No sentido de clarificar de modo mais completo a questão das aparições, servimo-nos de excertos do texto do cardeal Ratzinguer, escrito em 2000, como comentário teológico à publicação do designado 'terceiro segredo de Fátima':

"A doutrina da Igreja distingue «revelação pública» e «revelações privadas»; entre as duas realidades existe uma diferença essencial, e não apenas de grau. A noção «revelação pública» designa a acção reveladora de Deus que se destina à humanidade inteira e está expressa literariamente nas duas partes da Bíblia: o Antigo e o Novo Testamento. Chama-se «revelação», porque nela Deus se foi dando a conhecer progressivamente aos homens, até ao ponto de Ele mesmo se tornar homem, para atrair e reunir em si próprio o mundo inteiro por meio do Filho encarnado, Jesus Cristo. Não se trata, portanto, de comunicações intelectuais, mas de um processo vital em que Deus se aproxima do homem; naturalmente nesse processo, depois aparecem também conteúdos que têm a ver com a inteligência e a compreensão do mistério de Deus. Tal processo envolve o homem inteiro e, por conseguinte, também a razão, mas não só ela. Uma vez que Deus é um só, também a história que Ele vive com a humanidade é única, vale para todos os tempos e encontrou a sua plenitude com a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Por outras palavras, em Cristo Deus disse tudo de si mesmo, e portanto a revelação ficou concluída com a realização do mistério de Cristo, expresso no Novo Testamento. (...)

O facto de a única revelação de Deus destinada a todos os povos ter ficado concluída com Cristo e o testemunho que dele nos dão os livros do Novo Testamento vincula a Igreja com o acontecimento único que é a história sagrada e a palavra da Bíblia, que garante e interpreta tal acontecimento, mas não significa que agora a Igreja pode apenas olhar para o passado, ficando assim condenada a uma estéril repetição.  (...)

Neste contexto, torna-se agora possível compreender correctamente o conceito de «revelação privada», que se aplica a todas as visões e revelações verificadas depois da conclusão do Novo Testamento (...). Ouçamos o que diz o Catecismo da Igreja Católica sobre isto também: «No decurso dos séculos tem havido revelações ditas “privadas”, algumas das quais foram reconhecidas pela autoridade da Igreja. (...) O seu papel não é (...) “completar” a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la mais plenamente numa determinada época da história» (n. 67). Isto deixa claro duas coisas:

1. A autoridade das revelações privadas é essencialmente diversa da única revelação pública: esta exige a nossa fé; de facto, nela, é o próprio Deus que nos fala por meio de palavras humanas e da mediação da comunidade viva da Igreja. A fé em Deus e na sua Palavra é distinta de qualquer outra fé, crença, opinião humana. A certeza de que é Deus que fala, cria em mim a segurança de encontrar a própria verdade; uma certeza assim não se pode verificar em mais nenhuma forma humana de conhecimento. É sobre tal certeza que edifico a minha vida e me entrego ao morrer.

2. A revelação privada é um auxílio para esta fé, e manifesta-se credível precisamente porque faz apelo à única revelação pública. O Cardeal Próspero Lambertini, mais tarde Papa Bento XIV, afirma a tal propósito num tratado clássico, que se tornou normativo a propósito das beatificações e canonizações: «A tais revelações aprovadas não é devida uma adesão de fé católica; nem isso é possível. Estas revelações requerem, antes, uma adesão de fé humana ditada pelas regras da prudência, que no-las apresentam como prováveis e religiosamente credíveis». O teólogo flamengo E. Dhanis, eminente conhecedor desta matéria, afirma sinteticamente que a aprovação eclesial duma revelação privada contém três elementos:

  1. que a respectiva mensagem não contém nada em contraste com a fé e os bons costumes,

  2. que é lícito torná-la pública,

  3. e que os fiéis ficam autorizados a prestar-lhe de forma prudente a sua adesão.

Tal mensagem pode ser um válido auxílio para compreender e viver melhor o Evangelho na hora actual; por isso, não se deve transcurar. É uma ajuda que é oferecida, mas não é obrigatório fazer uso dela.

Assim, o critério para medir a verdade e o valor duma revelação privada é a sua orientação para o próprio Cristo. Quando se afasta dele, quando se torna autónoma ou até se faz passar por outro desígnio de salvação, melhor e mais importante que o Evangelho, então ela certamente não provém do Espírito Santo, que nos guia no âmbito do Evangelho e não fora dele. Isto não exclui que uma revelação privada realce novos aspectos, faça surgir formas de piedade novas ou aprofunde e divulgue antigas. Mas, em tudo isso, deve tratar-se sempre de um alimento para a fé, a esperança e a caridade, que são, para todos, o caminho permanente da salvação.

(...)

Desta forma, passámos já das especificações mais negativas, e que eram primariamente necessárias, à definição positiva das revelações privadas: Como podem classificar-se de modo correcto a partir da Escritura? Qual é a sua categoria teológica? A carta mais antiga de S. Paulo que nos foi conservada e que é também o mais antigo escrito do Novo Testamento, a primeira Carta aos Tessalonicenses, parece-me oferecer uma indicação. Lá, diz o Apóstolo: «Não extingais o Espírito, não desprezeis as profecias. Examinai tudo e retende o que for bom» (5, 19-21). Em todo o tempo é dado à Igreja o carisma da profecia, que, embora tenha de ser examinado, não pode ser desprezado. A este propósito, é preciso ter presente que a profecia, no sentido da Bíblia, não significa predizer o futuro, mas aplicar a vontade de Deus ao tempo presente e consequentemente mostrar o recto caminho do futuro.

Neste caso, a predição do futuro tem uma importância secundária; o essencial é a actualização da única revelação, que me diz respeito profundamente: a palavra profética ora é advertência ora consolação, ou então as duas coisas ao mesmo tempo. Neste sentido, pode-se relacionar o carisma da profecia com a noção «sinais do tempo», redescoberta pelo Vaticano II: «Sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu; como é que não sabeis interpretar o tempo presente?» (Lc 12,56). Por «sinais do tempo», nesta palavra de Jesus, deve-se entender o seu próprio caminho, Ele mesmo. Interpretar os sinais do tempo à luz da fé significa reconhecer a presença de Cristo em cada período de tempo. Nas revelações privadas reconhecidas pela Igreja — e portanto na de Fátima —, trata-se disto mesmo: ajudar-nos a compreender os sinais do tempo e a encontrar na fé a justa resposta para os mesmos.

A estrutura antropológica das revelações privadas

Tendo nós procurado, com estas reflexões, determinar o lugar teológico das revelações privadas, devemos agora, ainda antes de nos lançarmos numa interpretação da mensagem de Fátima, esclarecer, embora brevemente, o seu carácter antropológico (psicológico). A antropologia teológica distingue, neste âmbito, três formas de percepção ou «visão»:

  1. a visão pelos sentidos, ou seja, a percepção externa corpórea;

  2. a percepção interior;

  3. e a visão espiritual.

É claro que, nas visões de Lourdes, Fátima, etc., não se trata da percepção externa normal dos sentidos: as imagens e as figuras vistas não se encontram fora no espaço circundante, como está lá, por exemplo, uma árvore ou uma casa. Isto é bem evidente, por exemplo, no caso da visão do inferno (descrita na primeira parte do «segredo» de Fátima) ou então na visão descrita na terceira parte do «segredo», mas pode-se facilmente comprovar também noutras visões, sobretudo porque não eram captadas por todos os presentes, mas apenas pelos «videntes». De igual modo, é claro que não se trata duma «visão» intelectual sem imagens, como acontece nos altos graus da mística. Trata-se, portanto, da categoria intermédia, a percepção interior que, para o vidente, tem uma força de presença tal que equivale à manifestação externa sensível.

Este ver interiormente não significa que se trata de fantasia, que seria apenas uma expressão da imaginação subjectiva. Significa, antes, que a alma recebe o toque suave de algo real mas que está para além do sensível, tornando-a capaz de ver o não-sensível, o não-visível aos sentidos: uma visão através dos «sentidos internos». Trata-se de verdadeiros «objectos» que tocam a alma, embora não pertençam ao mundo sensível que nos é habitual. Por isso, exige-se uma vigilância interior do coração que, na maior parte do tempo, não possuímos por causa da forte pressão das realidades externas e das imagens e preocupações que enchem a alma. A pessoa é levada para além da pura exterioridade, onde é tocada por dimensões mais profundas da realidade que se lhe tornam visíveis. Talvez assim se possa compreender por que motivo os destinatários preferidos de tais aparições sejam precisamente as crianças: a sua alma ainda está pouco alterada, e quase intacta a sua capacidade interior de percepção. «Da boca dos pequeninos e das crianças de peito recebeste louvor»: esta foi a resposta de Jesus — servindo-se duma frase do Salmo 8 (v. 3) — à crítica dos sumos sacerdotes e anciãos, que achavam inoportuno o grito hossana das crianças (Mateus 21,16).

Como dissemos, a «visão interior» não é fantasia, mas uma verdadeira e própria maneira de verificação. Fá-lo, porém, com as limitações que lhe são próprias. Se, na visão exterior, já interfere o elemento subjectivo, isto é, não vemos o objecto puro mas este chega-nos através do filtro dos nossos sentidos que têm de operar um processo de tradução; na visão interior, isso é ainda mais claro, sobretudo quando se trata de realidades que por si mesmas ultrapassam o nosso horizonte. O sujeito, o vidente, tem uma influência ainda mais forte; vê segundo as próprias capacidades concretas, com as modalidades de representação e conhecimento que lhe são acessíveis. Na visão interior, há, de maneira ainda mais acentuada que na exterior, um processo de tradução, desempenhando o sujeito uma parte essencial na formação da imagem daquilo que aparece. A imagem pode ser captada apenas segundo as suas medidas e possibilidades. Assim, tais visões não são em caso algum a «fotografia» pura e simples do Além, mas trazem consigo também as possibilidades e limitações do sujeito que as apreende."

 

(Excerto do comentário teológico ao Terceiro Segredo de Fátima

Cardeal Ratizinguer, 2000)

 

As aparições são a maioria das vezes acompanhada de êxtase: o que é um êxtase?

Santa Bernadette, quando viu a Virgem Maria, foi tomada por um êxtase de tal intensidade que parecia estar fora do mundo. Segurava uma vela, cuja chama veio lamber, durante um longo momento, a palma de uma das mãos. No final da aparição, os médicos bem puderam procurar, mas não viram nenhum sinal de queimadura. O êxtase é um fenómeno que muitos consideram como sinal da presença de Deus. Estão errados, e a Igreja mostra-se bem mais prudente que eles. Os êxtases acompanham, no entanto, a maioria das aparições autênticas. A causa é simples: para ir ao encontro dos habitantes do outro mundo, o espírito tem, de certa forma, de deixar este mundo, abstrair-se dele. O espírito e a sensibilidade devem ser elevados acima do seu nível habitual de percepção. Os Profetas da Bíblia descrevem este fenómeno: “O Espírito elevou-me entre o Céu e a Terra, e conduziu-me a Jerusalém, nas visões de Deus” . Certos êxtases são absolutos, no sentido em que a pessoa não vê nada e não ouve nada deste mundo. S. Paulo experimentou, no dia da sua conversão, um destes raptos: ia na estrada, já próximo de Damasco, quando subitamente uma luz vinda do céu o envolveu com a sua claridade. Caindo por terra, ouviu uma voz que dizia: “Saulo, Saulo, porque me persegues?”

“Quem és tu?” perguntou ele.

“Eu sou Jesus a quem tu persegues”.

A visão desta luz perturbou S. Paulo, ao ponto de fazer dele o maior apóstolo da Igreja. Catorze anos mais tarde, ao falar do sucedido, dirá ter sido elevado até ao terceiro céu. O terceiro céu é, segundo S. Tomás, o domínio das visões puramente intelectuais, quer dizer, das visões mais elevadas que um homem possa conhecer sobre a terra. Para ver essa Luz, o homem deve estar de tal modo abstraído do corpo, que nem sequer mais sente que tem um: “Foi com o meu corpo, foi sem o meu corpo? Não sei”, dirá S. Paulo.

S. João, também ele, conheceu um êxtase total: “Eu, João, vosso irmão e vosso companheiro na provação, na realeza e na constância em Jesus Cristo, encontrava-me na ilha de Patmos, por causa da Palavra de Deus e do testemunho de Jesus. Caí em êxtase, no dia do Senhor, e ouvi uma voz clamar por trás de mim, como uma trombeta. Aquilo que vês, escreve-o num livro, para o enviar às sete Igrejas”. É assim que começa o livro do Apocalipse . As visões de S. João, são todas de ordem simbólica. Recebeu-as na sua imaginação (e não na inteligência, como S. Paulo) à maneira de um filme que se desenrolasse diante dele. S. Tomás de Aquino chama a esta elevação, o segundo céu. O êxtase é necessário para que as visões enviadas por Deus não seja confundidas com a realidade habitual.

A maioria das aparições da Virgem situa-se a este nível. Deus, através dos seus anjos, eleva as faculdades sensíveis dos crentes, para as tornar capazes de ver, ouvir, em graus superiores ao normal. Vêem pois a Virgem, enquanto ela é invisível aos outros. Mas este êxtase sensível, tem por efeito tornar o mundo habitual, invisível aos videntes. Estão mergulhados numa outra dimensão do sensível. Bernadette experimentou estes êxtases em Lourdes.

Certas aparições não necessitam de um êxtase, porque Deus abaixa-se para as produzir no nosso modo habitual de conhecimento. Foi assim que Daniel, um dos profetas da Bíblia, viu, juntamente com numerosas testemunhas, aparecer uma mão a escrever sobre a parede a condenação de um rei. Foi assim que as multidões de Fátima viram o sol a dançar sobre si mesmo, emitindo em todas as direcções, luzes multicolores. A célebre aparição de Pontmain, em Mayenne, é deste tipo . Duas crianças, Eugénio e José Barbedette, estavam a preparar feno para o jumento. Eram 17 horas do dia 7 de Janeiro de 1871. A guerra estava no auge e o exército prússico cercava Paris. Eugénio saiu da granja quando reparou, do outro lado da rua, por cima da casa da família Guidecoq, a seis metros mais ou menos do telhado, uma Senhora que sorria, que parecia flutuar no céu. Os braços estavam abertos e estava vestida à oriental: um vestido azul, com grandes mangas semeadas de estrelas de ouro e um grande manto. Tinha sobre a cabeça um véu preto, sobre o qual estava pousada uma coroa de ouro. Depois de ter contemplado a aparição durante alguns segundos, o rapaz chamou Jeanette, uma mulher da terra que por ali passava. Disse-lhe para olhar para cima, para admirar a Senhora. Mas a mulher não viu nada. Só José, que o irmão tinha também chamado, teve a mesma visão que Eugénio. Apenas as crianças da terra verão o final da aparição. Apenas elas lerão a mensagem deixada pela Virgem: “Mas rezai, meus filhos, Deus vos ouvirá em pouco tempo: o meu filho deixa-se tocar” .

A aparição durou três quartos de hora, sem que nenhum estado extático fosse constatado nas crianças. Viam ao mesmo tempo a Virgem e os adultos que os rodeavam, como se estes dois mundos não fossem senão um. No ajuizar do bispo, em 1872, depois, da Igreja, em 1920, a visão foi reconhecida como autêntica. S. Tomás teria dito que eles tinham atingido o primeiro céu, quer dizer, um estado de visão profética que não atingia senão os sentidos externos.

Quando acontece, o êxtase acompanha-se geralmente de fenómenos secundários verificáveis: o corpo fica impassível. Os videntes de Garabandal (aparição ainda não reconhecida pela Igreja) podiam cair de joelhos sobre rochedos cortantes, sem que nenhum vestígio de golpes aparecesse nos joelhos. O corpo torna-se pesado por causa da sua ligação indissociável com a aparição: vários homens com força, não conseguem deslocar uma criança testemunha de uma aparição. O corpo, inversamente, pode tornar-se ágil (levitação): as crianças de Garabandal subiam a correr para o sítio da aparição, sem experimentar a mínima falta de fôlego, o mínimo cansaço, a mínima transpiração. Cansavam os mais robustos, que se esforçavam em segui-los. O corpo torna-se por vezes luminoso. Emana dele uma beleza luminosa que parece vir em directo da beleza da visão contemplada. As crianças de Medjugorje (Jugoslávia) têm expressões, durante os seus êxtases, que a própria fotografia não consegue transmitir.

Em resumo, um êxtase religioso torna a pessoa inteiramente e visceralmente ligada à visão de que é testemunha. É como que tomada por ela.

A História da Igreja e os testemunhos dos filósofos, manifestam infelizmente êxtases de origem bem diferente.

Sabemos hoje em dia, que é possível de muitas maneiras, provocar deliberadamente estados onde a pessoa parece ter saído de si mesma, para um outro mundo. Estes êxtases naturais, mergulham num mundo imaginário, e as suas consequências são sempre negativas.

Movimentos como a Nova Era souberam, por um controle científico, eliminar o que eles têm de excessivo, reencontrando desta forma as antigas sabedorias budistas, da paz psíquica.

Infelizmente, a Nova Era, ao proclamar-se religião do futuro, ao exaltar-se acima de todas as religiões em nome dessa descoberta, ao seduzir as massas por argumentos pseudo-teológicos, não faz senão suprimir um pouco mais a presença de Deus nos corações. Substitui-a por um Nirvana onde Deus não está.

Certas drogas provocam unicamente o prazer. Outras, pelo contrário, são capazes de fazer viajar num mundo onde tudo é belo. O toxicómano é então mergulhado em jardins magníficos, em paisagens grandiosas, onde quereria permanecer sempre. Uma vez saído da sua viagem, a recordação da felicidade experimentada, encoraja-o a recomeçar, arrastando-o para um ciclo de fuga do real, cada vez mais indispensável. Trata-se de um verdadeiro êxtase e de um rapto alucinatório. Outros métodos permitem um resultado quase análogo. A África tradicional domina os ritmos do tã-tã. Sabe que um ritmo apropriado, acompanhado por todo o corpo, através da dança, pode conduzir a um estado de transe extático. A pessoa está fora de si mesma. As tradições populares pretendem que um tal estado favorece a manifestação dos espíritos dos mortos.

Êxtases naturais, podem ser provocados por uma prática mal orientada da oração. Os movimentos carismáticos modernos, foram por vezes confrontados com tais aberrações: todo o jovem convertido, ao descobrir a presença do Senhor, recebe efusões sensíveis. A oração dos principiantes é praticamente sempre acompanhada deste prazer sublime, que torna a oração fácil e leve. Deus, por este meio, não tem outro objectivo senão o de enraizar para sempre o seu filho no desejo de se aproximar dele. Infelizmente, certas pessoas mal aconselhadas, acabam por se agarrar mais a esse prazer do que ao próprio Deus. A seus olhos, uma oração não acompanhada desta exaltação sensível, surge-lhes como uma má oração. Acabam por esquecer que o único Bem é Deus, que o único objectivo é amá-lo, na dor e na alegria.

À força de procurar febrilmente o prazer sentido nos momentos mais marcantes do encontro com Deus, acabam por descobrir que é possível exaltar à vontade a sensibilidade. Fazem-no inconscientemente, confundido a sua própria acção sobre o corpo, com a presença de Deus. Ora, não se trata senão de uma técnica, em relação com a respiração, e conduzindo a uma certa tensão sobre o peito e o cérebro. Nos casos mais frequentes, resulta um estado quase permanente de efervescência sensível. Em certos casos raros, assistem-se a transes, a comportamentos exaltados, por vezes, a convulsões ou, mesmo, alucinações. Trata-se de uma verdadeira doença, cujas consequências afectam também o espírito. A Igreja não cessou de avisar contra o iluminismo que espreita os espirituais. Trata-se dessa falsa certeza, apoiada na experiência sensível, daquilo que se pensa que é Deus, de estar em contacto imediato com o Além. Aos olhos dos iluminados, a Igreja e a sua prudência são inúteis e incómodas, uma vez que estão persuadidos de serem imediatamente instruídos por Deus.

Estes êxtases psicológicos, abrem muitas vezes o caminho à acção do demónio. A Abadia de Port-Royal, foi outrora confrontada com este problema: certos iluminados, depois de terem exaltado a sua sensibilidade, foram vítimas de convulsões. Depressa foi detectada a presença do demónio por causa da eficácia dos exorcismos praticados. Como em quase todos os casos de fenómenos aberrantes, o demónio encontra um certo terreno bem preparado para a sua acção. É a razão pela qual os feiticeiros africanos ou vodus, gostam de provocar estados de transe, para facilitar a vinda do espírito que invocam. O Pe. Régimbald, recentemente denunciou práticas modernas análogas, nos concertos de Hard Rock. Foi possível constatar que certos ritmos de bateria, ajudados por um ambiente de uma sala aquecida, eram capazes de conduzir a estes estados. Em pessoas frágeis, particularmente sensíveis às influências musicais, o transe pode orientar-se para aberrações de ordem sexual, anti-social ou ainda para uma exaltação da violência, do desejo de ingerir droga ou de se suicidar. O Pe. Régimbald mostra que certos concertos, depois desta preparação psicológica, entram numa fase muito mais perigosa. Os cantores entregam-se abertamente a ritos de invocação de espíritos: missas negras, brincadeiras de sacrifícios de animais. Aqueles que no público, estão já tomados de transe, parecem inteiramente dependentes da vontade dos cantores. Obedecem por vezes às suas ordem mais escondidas, a que o Pe. Régimbald chama «mensagens subliminais». Trata-se de ordens codificadas, sob versos de canções aparentemente anódinas. Uma das canções do grupo Led Zeppelin, “Stairway to Heaven”, tem o seguinte verso: “Quando olho para Oeste, o meu espírito grita para se ir embora”. Passando o disco ao contrário, a mensagem é distinta: “Porque sei que se devem suicidar por Satanás”.

Segundo o Pe Régimbald, os suicídios que se puderam constatar em jovens durante os concertos de Led Zeppelin, explicam-se por uma influência psicológica inconsciente sobre o espírito daquele que está em transe. O espírito teria o poder de, ele mesmo, virar ao contrário, a frase pronunciada pelo cantor.

Uma tal hipótese, se é válida para aqueles que sabem um pouco de inglês, não explica o suicídio de pessoas estranhas à língua. O inconsciente não tem o poder de compreender uma língua totalmente desconhecida , sobretudo quando a mensagem é posta ao contrário.

Estamos aparentemente diante de uma causa totalmente diferente, de ordem satânica, de uma nova forma de feitiçaria moderna de que é indispensável desconfiar, sobretudo se se é frágil de temperamento e impressionável.

 

Vossemecê quem é?